Por Daniel Pinheiro
Há algum tempo soubemos que um primo de nossa
família, que mora no interior do Ceará, passou por uma grande
dificuldade. Um dia, ligaram para ele de uma loja de São Paulo, dizendo
que ele tinha uma dívida lá de mais de mil reais. Ele nunca foi pra São
Paulo, e nunca fez compras nessa loja.
Ele descobriu, com isso tudo, que algum espertinho
tinha aberto uma conta com os dados dele – identidade, CPF, e nome
completo – em um banco de São Paulo, e tinha conseguido um certo
crédito, usando-o para gastar mais de dois mil reais em várias lojas.
Foi um tormento para ele provar que não tinha nada a ver com aquilo.
Engraçado que ele não tem muitas contas, nem faz muitas compras por aí
para que o número de seus documentos fique circulando pelo mundo. Depois
disso tudo, ele redobrou os cuidados. Afinal de contas, seu nome e o
número de seus documentos tinham sido usados por outras pessoas para
proveitos egoístas.
Fiquei pensando, então, sobre a importância de
guardar aquilo que é nosso, que tem valor para nós, para que não seja
usado por pessoas que muitas vezes nem conhecemos. Imagine que uma grife
quisesse divulgar uma nova moda de estampar nas camisetas o nome
completo, o número do CPF e da identidade da pessoa. Creio que essa moda
não ia pegar.
Ninguém, em sã consciência, sai por aí divulgando seus dados pessoais.
No entanto, temos algo de muito mais valioso que
nosso nome, nosso dinheiro ou nossos documentos. É o nosso próprio
corpo, que faz parte, da maneira mais íntima possível, do “todo” que
somos como pessoas, como seres humanos.
Percebem como é ilógico que a moda e sociedade ditem
parâmetros que fazem as mulheres mostrarem demais seu corpo? Ficaríamos
surpresos com alguém que estampasse na camiseta o nome completo e o
número dos seus documentos. Afinal de contas, alguém poderia usar aquilo
para fins não muito bons, em detrimento da própria pessoa. Muito mais,
porém, deveríamos nos espantar ao ver mulheres que mostram demais o
próprio corpo, que é muito mais valioso do que nome ou documentos.
Assim, de certo modo, elas se permitem ser usadas por aqueles que,
certamente, olharão para ela com luxúria. Há prejuízos na dignidade
tanto de quem olha como de quem é vista.
Tudo isso nos faz pensar como é sedutor o discurso da
moda, da sociedade, da “revolução sexual”, para que tenhamos chegado
ao ponto de considerar normal, natural, e desejável esse tipo de “uso”
do corpo.
O Papa João Paulo II disse que há uma oposição entre o
amor e a atitude de “usar” uma pessoa para o próprio deleite. Ele
chama essa atitude de “utilitarista”, e lhe faz muitas críticas.
Segundo ele, “o utilitarismo introduz uma relação paradoxal: cada uma
das duas pessoas toma fundamentalmente a atitude de assegurar o próprio
egoísmo, e ao mesmo tempo concordar em servir ao egoísmo do outro,
desde que isso lhe ofereça a ocasião de satisfazer o próprio egoísmo.
(…) [Essa atitude] prova essencialmente que a pessoa (…) se rebaixa ao
nível de meio, de instrumento, (…) [o utilitarismo] é uma espécie de
antítese do amor” (Amor e Responsabilidade, p. 33).
Para João Paulo II, só o amor dignifica a pessoa. Em
suas palavras, “a pessoa é um bem tal que só o amor se relaciona com
ela própria e plenamente”.
E então? Que tal agora se perguntar sobre a maneira
como me visto e me comporto? Será que ela está induzindo o outro a me
ver como um “instrumento” para seu prazer, em uma atitude
“utilitarista”? Ou será que ela está suscitando no outro o desejo de me
amar pela minha pessoa inteira, corpo e alma, e não só o corpo?
0 comentários:
Postar um comentário