Por Edward P. Sri (baseado no seu livro “Men, Women and the Mystery of Love”)
Um homem almoçando em um restaurante observa uma mulher atraente em outra mesa, e sua beleza imediatamente captura sua atenção. Seu coração bate mais forte, e ele se descobre desejando vê-la de novo.
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Mais ainda: não é a primeira vez que ela atrai seu olhar. E sua atração para ela é mais do que física. Ela trabalha para a mesma grande companhia, e ele sente-se fascinado pela sua personalidade acolhedora, seu sorriso cativante e sua gentileza no trato com os outros. Ele está apaixonado pela sua brilhante personalidade tanto quanto pela sua beleza natural.
Atrações básicas como essa acontecem todo tempo entre homem e mulher. Algumas vezes elas se fazem sentir bem rapidamente: um homem na fila do supermercado pode se sentir imediatamente atraído por uma mulher que vê passar. Uma mulher na Igreja pode notar um homem rezando no final da Missa, e se descobrir pensando nele o resto do dia. Algumas vezes as atrações mais profundas demoram um longo tempo para se desenvolver: um homem e uma mulher que foram amigos ou colegas por muitos meses podem gradualmente se atraírem um ao outro emocionalmente e fisicamente.
Em seu livro “Amor e Responsabilidade”, João Paulo II analisa a anatomia de uma atração. O que está realmente acontecendo quando homem e mulher se encontram atraídos um pelo outro?
A anatomia de uma atração
Comecemos explicando alguns dos termos que o Papa João Paulo II utiliza. Em um nível mais básico, atrair alguém significa ser considerado por aquela pessoa como um bem. Por sua vez, ser atraído por outro alguém significa que eu percebo algum valor naquela pessoa (valor tal como sua beleza, virtude, personalidade etc.), e que eu respondo a esse valor. Essa atração envolve os sentidos, a mente, a vontade, as emoções, e nossos desejos.
A razão pela qual homem e mulher se atraem tão facilmente um ao outro é o impulso sexual. Lembre-se que o impulso sexual é a tendência de procurar o sexo oposto. Com o impulso sexual, ficamos particularmente orientados na direção das qualidades fisiológicas e psicológicas de uma pessoa do sexo oposto – seu corpo e sua masculinidade ou feminilidade. João Paulo II chama essas qualidades físicas e psicológicas de “valores sexuais” de uma pessoa.
Portanto, uma pessoa fica facilmente atraída por outra do sexo oposto de duas maneiras: fisicamente e emocionalmente. Primeiramente, um homem fica atraído fisicamente pelo corpo de uma mulher, e uma mulher fica atraída ao corpo de um homem. O Papa chama essa atração ao corpo de sensualidade.
Em segundo lugar, um homem também se atrai emocionalmente pela feminilidade de uma mulher, e a mulher fica emocionalmente atraída pela masculinidade de um homem. O Papa João Paulo II chama essa atração emocional de sentimentalidade.
Nos próximos artigos, refletiremos sobre o papel das emoções e da sentimentalidade. No presente artigo, focalizaremos a atração sensual que homem e mulher experimentam um pelo outro.
Razão e sensualidade
Como vimos, a sensualidade está ligada ao valor sexual inerente ao corpo da pessoa do sexo oposto. Tal atração não é má em si mesma porque o impulso sexual deve nos levar não apenas para o corpo, mas para o corpo de uma pessoa. Portanto, uma reação sensual inicial deve nos orientar para a comunhão pessoal (não apenas a união corporal), e pode servir como um ingrediente do autêntico amor se estiver integrado com aspectos mais elevados e nobres do amor – tais como a vontade, a amizade, a virtude, ou o compromisso de doação de si.
Não obstante, o Papa diz que as atrações sensuais, por si mesmas, podem levar a grande perigos. Primeiramente, “a sensualidade por si própria não é amor, e pode facilmente se transformar no seu oposto”. A razão pela qual a sensualidade pode ser tão perigosa é que, por si mesma, ela cai facilmente em utilitarianismo. Quando somente a sensualidade é instigada, experimentamos o corpo da outra pessoa como “um potencial objeto de prazer”. Reduzimos a pessoa a suas qualidades físicas – sua beleza, seu corpo. E vemos a pessoa primariamente em termos do prazer que podemos experimentar a partir dessas qualidades.
O que é mais trágico aqui é que o desejo sensual, que deveria nos orientar na direção da comunhão com a pessoa do sexo oposto, pode na verdade impedir de amar essa pessoa. Um homem, por exemplo, pode sensualmente ponderar em sua mente ou ativamente procurar o corpo de uma mulher como meio para gratificação sexual. E ele pode fazer isso sem nenhum interesse real nela como pessoa. Ele pode concentrar-se em seus valores sexuais – e no prazer que consegue a partir desses valores – ao ponto tal em que sua atração sensual ao seu corpo na verdade o impede de responder ao seu valor como pessoa. É por isso que o Papa João Paulo II diz que a sensualidade por si mesma cega a pessoa. “A sensualidade em si mesma tem uma ‘orientação de consumo’ – dirige-se primariamente e imediatamente ao ‘corpo’: toca a pessoa apenas indiretamente, e tende a evitar o contato direto”.
Gosta de chocolate?
Em segundo lugar, o Papa diz que a sensualidade, em si mesma, não apenas deixa de alcançar a pessoa, mas chega até a falhar na apreensão da beleza do corpo. Ele explica como a beleza é experimentada através da contemplação, não através do pujante desejo de usufruir. Quando estamos contemplando o esplendor de uma paisagem, um pôr do sol, uma obra de música ou um trabalho artístico, ficamos tomados pela beleza. Essa contemplação da beleza traz paz e alegria. Isso é muito diferente de uma “atitude de consumo” que visa explorar um objeto pelo prazer – uma atitude que traz inquietação, impaciência, e um intenso desejo pela satisfação.
Talvez uma analogia nos ajuda a entender melhor. Uma vez tive a oportunidade de ver o trabalho de um “artista de chocolate”. O artista tinha uma exposição de dezenas de esculturas elaboradas de barcos, flores, pássaros, torres, e prédios. O que fazia essas esculturas serem tão impressionantes é o fato de que elas eram todas feitas de chocolate ao leite e chocolate branco!
Eu posso ter duas atitudes diferentes com relação a essas esculturas de chocolate. Por um lado, eu poderia contemplá-las como obras de arte, admirando sua beleza e me permitindo ser tomado pela sua imensidade, suas proporções perfeitas, os detalhes intricados, e o trabalho do artesão, ficando assim maravilhado de que essas delicadas obras de arte tenham sido feitas somente de açúcar e cacau.
Por outro lado, eu poderia ignorar o fato de que essas esculturas são belas obras de arte feitas para serem contempladas, e vê-las primariamente como doces a serem devorados – chocolates gostosos que iriam satisfazer meus desejos! Essa última abordagem, entretanto, seria uma degradação das obras de arte do artesão, reduzindo-as a meros objetos a serem consumidos para meu próprio prazer.
De modo similar, a sensualidade por si mesma falha em ver o corpo humano como uma bela obra-prima da criação de Deus, pois reduz o corpo a um objeto a ser aproveitado para satisfazer os desejos sensuais de outrem. “Portanto, a sensualidade realmente interfere com a apreensão do belo, até mesmo da beleza corporal, sensual, pois introduz uma atitude de ‘consumo’ ao objeto: ‘o corpo’ é então considerado como um potencial objeto a ser usufruído”.
Michelangelo e Playboy
Isso também ajuda a explicar uma grande diferença entre a pornografia e a boa arte clássica que mostra a nudez de uma pessoa. Tanto a revista Playboy quanto algumas obras de arte dos Museus Vaticanos, por exemplo, podem apresentar os órgãos sexuais de um corpo humano. Na verdade, algumas pessoas na indústria pornográfica dizem que suas figuras são apenas outra forma de arte, mostrando a beleza do corpo. Alguns defensores da pornografia chegaram a perguntam porque a Igreja condena a pornografia mas permite a nudez mostrada em alguns de seus museus!
A pornografia da Playboy, entretanto, não chama atenção para a beleza do corpo humano. Chama atenção para o corpo como objeto a ser usado para a satisfação sexual pessoal. No final, é uma redução da pessoa humana ao valor sexual do corpo. Ao contrário, a boa arte que mostra o corpo não é uma redução da pessoa, mas um engrandecimento dela, levando-nos a contemplar o mistério da pessoa humana como uma obra-prima da criação de Deus.
A boa arte nos leva a uma pacífica contemplação da verdade, do bem, e do belo, incluindo a verdade, o bem e a beleza do corpo humano. A pornografia, por outro lado, não nos leva a tal contemplação, mas instiga em nós o desejo sensual pelo corpo de outra pessoa como objeto a ser explorado para nosso próprio prazer. Falando em termos simples: provavelmente não há tantos homens que caem em pecado ao contemplar as famosas pinturas de Adão e Eva na Capela Sistina. Mas provavelmente poucos serão os homens que não cairão em pensamentos impuros ao olhar para fotos da Playboy. (1)
Escravos da sensualidade
Uma terceira razão pela qual João Paulo II se preocupa com a sensualidade é que, se ela é deixada “solta”, nós nos tornamos escravos de tudo que estimula nosso desejo sensual. Por exemplo, um homem dado à sensualidade vê sua vontade ser tão fraca a ponto de se deixar levar por qualquer valor sexual que apareça imediatamente aos seus sentidos. Sempre que encontra uma mulher vestida de certa forma, ele não pode evitar de olhar para ela com pensamentos impuros. Sempre que vê imagens de mulheres na TV, na Internet, nos outdoors, ele não consegue resistir e olha para elas, pois deseja o valor sexual da mulher e quer aproveitar o prazer que obtém nesses olhares.
Especialmente em uma cultura altamente sexualizada como a nossa, somos constantemente bombardeados com imagens sexuais explorando nossa sensualidade, fazendo-nos focalizar o corpo do sexo oposto. Podemos, de fato, ser facilmente escravizados, pulando de um valor sexual para o outro, e para o outro, e para o outro, à medida que eles aparecem para nossos sentidos. Como observa João Paulo II, a sensualidade por si só “é caracteristicamente volátil, voltando-se para onde quer que encontre esse valor, sempre que um ‘possível objeto de prazer’ aparece”.
“Eu posso olhar, mas não posso tocar”
Além do mais, em um de seus pontos mais profundos nessa seção, o Papa João Paulo II nos alerta que uma pessoa pode usar o corpo de outra pessoa mesmo quando essa pessoa não está fisicamente presente. Um homem, por exemplo, não precisa ver, ouvir ou tocar uma mulher para se aproveitar de seu corpo para seu próprio prazer. Através de sua memória e imaginação, ele “pode fazer contato até mesmo com o ‘corpo’ de outra pessoa que não está fisicamente presente, experimentando o valor desse corpo na medida em que constitui um ‘possível objeto de prazer’”.
Vivemos em uma cultura onde muitos homens dizem a si mesmos: “O que tem de errado em ter pensamentos impuros por uma mulher? Não estou machucando ninguém quando faço isso!” Até mesmo alguns homens casados podem pensar: “Não estou cometendo adultério quando olho para uma mulher desse jeito. Ainda sou fiel à minha esposa. Eu posso olhar; só não posso tocar”. Entretanto, devemos nos lembrar das severas palavras de Cristo sobre esse assunto: “Todo aquele que olha para uma mulher com luxúria já cometeu adultério com ela em seu coração” (Mt 5, 28).
Os insights de João Paulo II nos ajudam a explicar o que realmente está acontecendo quando um homem olha com luxúria para uma mulher, e porque consentir com pensamentos impuros e fantasias sexuais é sempre moralmente errado e degradante para as mulheres. Na mente de um homem com luxúria, a mulher fica reduzida ao valor sexual do seu corpo. Ele a trata não como uma pessoa, mas como um corpo a ser explorado para seu próprio prazer, em seus olhares e pensamentos. E isso pode acontecer mesmo quando a mulher não está por perto, pois ele pode ainda manter contato com seu corpo e explorá-la para sua satisfação sexual em sua memória e imaginação. Isso é utilitarianismo grosseiro – muito distante do autêntico amor.
Em resumo, João Paulo II enfatiza que a sensualidade sozinha não é amor. Pode ser “matéria-prima” para o desenvolvimento do amor verdadeiro. Mas esse desejo pelo valor sexual do corpo deve ser complementado por outros elementos mais nobres do amor, tais como a boa vontade, a amizade, a virtude, o comprometimento total, e o amor-doação-de-si (temas a serem discutidos nos próximos artigos). Se a sensualidade não está cuidadosamente integrada com esses elementos mais nobres do amor, o desejo sensual pode ser danoso a um relacionamento. Na verdade, pode destruir o amor entre um homem e uma mulher, e pode impedir que o amor possa um dia se desenvolver entre um homem e uma mulher.
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Notas:
(1) O Papa discute especificamente esse tópico sobre arte e pornografia posteriormente em “Amor e Responsabilidade”. Primeiramente, ele diz que a arte pode às vezes representar o aspecto sexual do homem e da mulher e seu amor um pelo outro. “A arte tem um direito e um dever, pelo bem do realismo, de reproduzir o corpo humano, e o amor de homem e mulher como o são na realidade, a fim de falar a verdade integral sobre eles. O corpo humano é parte autêntica da verdade sobre o homem, assim como seus aspectos sensuais e sexuais são parte autêntica da verdade sobre o amor humano”. O Papa João Paulo II segue dizendo, entretanto, que seria errôneo mostrar os valores sexuais de maneira a obscurecer o verdadeiro valor da pessoa. E seria errôneo retratar o aspecto sexual do relacionamento de um casal de modo a obscurecer o autêntico amor de um pelo outro, que é muito mais do que sexual. Esse é o problema com a pornografia: ela chama atenção para o aspecto sexual de um homem ou mulher de um modo que nos impede de ver o verdadeiro valor da pessoa e a verdade integral do amor. “A pornografia é uma marcada tendência a acentuar o elemento sexual com o objetivo de induzir o espectador ou leitor a acreditar que os valores sexuais são os únicos valores reais da pessoa, e que o amor nada mais é do que experimentar somente esses valores sexuais. Essa tendência é danosa, pois destrói a imagem integral daquele importante fragmento da realidade humana, que é o amor entre homem e mulher. Pois a verdade sobre o amor humano sempre consiste em reproduzir o relacionamento interpessoal, não importando o quanto os valores sexuais possam predominar naquele relacionamento. Assim como a verdade sobre o homem é que ele é uma pessoa, não importando o quão conspícuos são os valores sexuais em sua aparência física.”
O Autor: Edward P. Sri é professor assistente de Teologia do Benedictine College, em Atchison, Kansas, Estados Unidos, e autor de vários livros de Teologia e espiritualidade.
Fonte:http://vidaecastidade.blogspot.com.br/
Amor e Responsabilidade: evitando atrações fatais
domingo, 18 de março de 2012
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