Como o "Sr. Certinho" acabou se tornando tão errado? Muitos jovens tiveram a experiência de “sentir” que estavam apaixonados por alguém que, à primeira vista, parecia absolutamente maravilhoso(a), tudo isso só para ficar muito desapontado(a) com a pessoa, desiludido(a) com o relacionamento, e talvez até descrente no sexo oposto como um todo.
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Em seu livro “Amor e Responsabilidade”, João Paulo II – então Karol Wojtyla – explica porque isso acontece com tanta frequência a homens e mulheres, e como podemos evitar essas desilusões no futuro.
Mais do que o físico
No último artigo vimos um poderoso aspecto da atração entre homem e mulher: a sensualidade. E vimos como essa atração física a maioria das vezes se caracteriza por um desejo de usufruir do corpo da outra pessoa como um objeto de prazer.
Há um segundo tipo de atração, entretanto, que vai além do desejo sexual pelo corpo, e que Wojtyla chama de “sentimentalidade”. Ela representa mais do que uma atração emocional entre os sexos.
Por exemplo, quando um rapaz conhece uma garota, além de notar sua beleza, ele também pode ficar bastante atraído pela sua feminilidade, sua personalidade acolhedora, sua graciosidade – ou, como Wojtyla chama, seu “charme” feminino. Do mesmo modo, quando a garota encontra um rapaz, ela pode não apenas reconhecer que ele é bonito, mas também descobrir em si mesma fortes sentimentos e admiração por sua masculinidade, suas virtudes, o modo como ele se porta – ou, como Wojtila chama, sua “força” masculina.
Tais reações emocionais para com pessoas do outro sexo acontecem o tempo todo. Elas podem evoluir gradativamente entre um homem e uma mulher, ou podem acontecer desde o primeiro instante em que se encontram. Podemos experimentar sentimentos afetuosos pelo cônjuge, um colega de trabalho, ou um amigo(a) de longa data. Ou podemos experimentá-los por uma pessoa que conhecemos em uma reunião, um estranho que vemos no shopping, ou mesmo um personagem fictício que vemos na TV.
A sentimentalidade pode ser parte do que leva ao amor autêntico. Mas, se não tomarmos cuidado, podemos facilmente ficar escravos de nossas emoções de maneiras tais que nos impede de sermos verdadeiramente capazes de amar outras pessoas.
Um navio afundando
O amor deve integrar nossas emoções. Em sua forma plena, o amor não deve ser uma decisão fria e calculada, isenta de sentimentos. Um esposo que diz: “Querida, eu te amo. Eu não tenho sentimentos de modo algum por você, mas saiba que lhe sou fiel”, não é a situação ideal. Nossas emoções devem ser incluídas no compromisso que firmamos para com a pessoa amada, enriquecendo o relacionamento e nos dando uma experiência ainda mais profunda de união com a outra pessoa. Como explica Wojtyla, “O amor sentimental mantém duas pessoas juntas, as faz ficar – mesmo quando estão fisicamente distantes – se movendo ‘na órbita’ um do outro... Uma pessoa nesse estado de espírito permanece mentalmente sempre perto da pessoa com quem ele ou ela tem laços de afeição” (Amor e Responsabilidade).
Entretanto, Wojtila se preocupa com o fato de que muitas pessoas hoje em dia pensam no amor apenas em termos de sentimentos. Suas preocupações parecem totalmente aplicáveis à uma cultura como a nossa, na qual canções de amor, filmes de romance e programas de TV estão constantemente apelando para nossas emoções, e nos fazendo desejar relacionamentos de rápido e emocionante envolvimento sentimental, como aquele envolvimento que Tom Hanks e Meg Ryan parecem ter nos filmes.
O verdadeiro amor, entretanto, é muito diferente do “amor de Hollywood”. O verdadeiro amor requer muito esforço. É uma virtude que envolve sacrifício, responsabilidade, e um total compromisso com a outra pessoa. O “amor de Hollywood” é uma emoção. É algo que apenas acontece com você. O foco não está em um compromisso com a outra pessoa, mas no que acontece dentro de você – os poderosos sentimentos agradáveis que você experimenta quando está com essa outra pessoa.
O fenômeno do filme “Titanic”, no final dos anos 90, mostra quantas pessoas se deixam levar pela ilusão do “amor de Hollywood”. Milhões de jovens retornavam várias vezes ao cinema para experimentar o romance emocionalmente intenso entre dois personagens do filme – um romance que se desenvolve entre duas pessoas que não se conhecem realmente, e que não possuem verdadeiro compromisso uma com a outra, mas que ainda assim era visto pelos espectadores como o tipo de amor ideal que duraria uma vida toda. Com esse tipo de modelo a imitar, não é de se surpreender que tantos de nossos relacionamentos na vida real terminem em um barco furado.
Claro que nossos sentimentos podem e devem ser incorporados em um amor plenamente desenvolvido (um tema que desenvolveremos em artigos posteriores). Entretanto, quando somos levados pela emoção acabamos evitando uma questão muito importante que é crucial para a estabilidade a longo prazo de um relacionamento: a questão da verdade. Devemos primeiramente e acima de tudo considerar a verdade sobre a outra pessoa, e a verdade sobre a qualidade do relacionamento com ele ou ela.
Evitando a questão da verdade
Um perigo de fazer dos sentimentos uma medida do nosso amor é que nossos sentimentos podem ser muito enganadores. Na verdade, Wojtyla diz que os sentimentos, em si, são “cegos”, pois não estão preocupados em saber a verdade sobre a outra pessoa. Portanto, nossos sentimentos sozinhos não são uma boa referência para guiar nossos relacionamentos.
Ele explica que descobrimos a verdade através do uso da nossa razão. Eu sei que 2 + 2 = 4 não porque eu sinta que é igual a 4. Eu chego à certeza dessa verdade através da minha razão. Nossos sentimentos, por outro lado. Não têm como tarefa a busca da verdade, diz Wojtyla.
Portanto, nossos sentimentos não serão de muita ajuda como guia para ver a verdade honesta sobre a outra pessoa e a verdade sobre o relacionamento. “Os sentimentos nascem espontaneamente – a atração que uma pessoa sente por outra geralmente começa de repente e de forma inesperada – mas essa reação é um efeito ‘cego’” (Amor e Responsabilidade).
Isso se torna especialmente claro quando consideramos o que aconteceu com nossas emoções depois do pecado original. Antes de o pecado entrar no mundo, o intelecto do homem facilmente direcionava sua vontade para escolher o que é bom e guiar suas emoções de modo que suas paixões fossem direcionadas para aquele bem.
Depois da queda do pecado original, entretanto, o intelecto parece não enxergar a verdade claramente, a vontade está enfraquecida em sua resolução de buscar o que é bom, e nossas emoções já não estão corretamente ordenadas, ficam a vagar em várias direções. Portanto, agora experimentamos muita instabilidade na esfera emocional e muitos altos e baixos caóticos (amor-ódio, esperança-medo, alegria-tristeza etc.) em nossas vidas. Ainda assim, ironicamente, a visão moderna de amor nos diz para procurar precisamente nossos “sentimentos” – para olhar justo no meio dessa montanha-russa emocional – a fim de encontrar uma medida infalível de nosso amor. Não é de espantar que haja tanta confusão e instabilidade em nossos relacionamentos hoje em dia!
É realmente isso mesmo?
Além do mais, não apenas os sentimentos não possuem a tarefa de procurar a verdade, mas também os sentimentos podem ser tão fortes que turvam nossa maneira de ver a outra pessoa. Wojtyla explica que quando somos levados pelas nossos emoções, a sentimentalidade pode diminuir nossa habilidade de conhecer aquela pessoa como ele ou ela realmente é.
É por isso que Wojtyla afirma que, em qualquer atração e envolvimento emocional, a questão da verdade sobre a pessoa é crucial: “É realmente isso mesmo?”. Devemos nos perguntar: “Ele ou ela tem mesmo essas qualidade e virtudes pelas quais estou tão atraído?”. “Ele ou ela é realmente digno(a) de minha confiança?”. “Há algum problema em nosso relacionamento que eu esteja negligenciando?”.
Nosso sentimentos não lidam com essas importantes questões. Na verdade, nossos sentimentos geralmente nos levam a evitar essas questões, deixando-nos com uma percepção distorcida e exagerada da pessoa.
“É por isso que em qualquer atração... a questão da verdade sobre a pessoa pela qual se sente atraído é tão importante. Devemos levar em consideração a tendência, produzida por toda uma dinâmica da vida emocional, da pessoa evitar a questão ‘é realmente isso mesmo?’. Nessas circunstâncias a pessoa não se pergunta se a outra pessoa realmente possui os valores que – aos olhos da sua paixão – ela parece ter, mas principalmente não se pergunta se o sentimento que acabou de surgir é uma emoção verdadeira” (Amor e Responsabilidade).
Isso, repito, não quer dizer que os sentimentos sejam ruins. Mas eles não podem ser o primeiro critério para discernir a verdade honesta sobre outra pessoa ou para avaliar claramente um relacionamento.
Fora de proporções
Essa tendência de ser levado pelas emoções e de evitar questões sobre a verdade é característico do amor sentimental. Temos a tendência de exagerar o valor da pessoa pela qual nutrimos sentimentos, diminuir o peso de suas faltas, e ignorar problemas que existem no relacionamento.
Aqui Wojtyla faz uma afirmação incrível sobre o quanto nossos sentimentos podem controlar nossa percepção da outra pessoa pela qual estamos tão atraídos. “Aos olhos de uma pessoa sentimentalmente atraída por outra, o valor da pessoa amada... cresce enormemente – via de regra fora de qualquer proporção com relação ao seu real valor” (Amor e Responsabilidade).
Você entendeu? Wojtyla não disse que nos estágios iniciais do amor sentimental nós “às vezes” exageramos o valor da pessoa. Ele disse que isso acontece via de regra – nós fazemos isso o tempo todo! E ele não disse que temos a tendência de exagerar o valor da pessoa só um pouquinho. Nós tendemos a idealizar o valor da pessoa “fora de qualquer proporção” em relação a quem ele ou ela é na realidade.
Portanto, devemos entrar nos relacionamentos com nossos olhos bem abertos. Se nós ingenuamente dizemos que não idealizamos a outra pessoa de modo algum, isso provavelmente é um sinal de que já fomos muito longe da realidade. Nesses estágios iniciais do amor, se somos muito rápidos para notar três ou quatro qualidades na pessoa amada, devemos ser igualmente rápidos em admitir que provavelmente estamos caindo na tendência de exagerar essas qualidades. Como explica Wojtila, “Uma variedade de valores são atribuídos à pessoa amada, as quais ele ou ela não possui na realidade. Esses são valores ideais, não reais” (Amor e Responsabilidade).
Por que temos a tendência de idealizar aqueles por quem nos sentimos atraídos? Esses “valores ideais” são aqueles que desejamos, com todo nosso coração, encontrar em outra pessoa um dia. Eles existem em nossos desejos, aspirações e sonhos mais profundos. Quando finalmente encontramos alguém com quem se tem o menor grau de sintonia, nossas emoções rapidamente tendem a evocar esses valores ideais e projetá-los sobre a pessoa.
Usando as pessoas emocionalmente
Quando falamos de um homem usando uma mulher tendemos a pensar em termos de ele usando ela para seu prazer sexual. Entretanto, Wojtyla chama a atenção que homem e mulher podem usar um ao outro também para um prazer emocional. Um devoto homem cristão, ou mulher cristã, pode ter um namoro completamente casto, mas ainda assim estar usando a outra pessoa por causa dos “sentimentos legais” que experimenta quando estão juntos, pela segurança emocional de ter um(a) namorado(a), ou pelo prazer que deriva de imaginar o dia do casamento com essa pessoa e esperar que ele ou ela seja finalmente a pessoa certa.
Se eu caio em tal idealização sentimental, a pessoa amada não é de fato a recebedora de minhas afeições. Ao invés, a outra pessoa é mais uma oportunidade para mim de usufruir dessas poderosas reações emocionais que tomam meu coração. Nesse caso, não amo realmente a outra pessoa por ela mesma, mas acabo usando-a pelo prazer emocional que obtenho de estar com ela. Como explica Wojtyla, o(a) amado(a) que é idealizado(a) “se torna meramente uma ocasião para uma descarga, na consciência emocional da pessoa, dos valores que ele ou ela deseja com todo seu coração encontrar na outra pessoa” (Amor e Responsabilidade).
Desilusão
Talvez o efeito mais trágico da idealização sentimental é que nós terminamos sem sequer conhecer a pessoa pela qual nos sentimos tão atraídos. Por exemplo, um homem vivendo um amor sentimental pode procurar estar perto da amada, passar muito tempo com ela, conversar com ela, e até mesmo ir para a Missa com ela, e rezar por ela. Entretanto, se ele a idealizou, ele permanece bem distante dela – pois a poderosa afeição que ele sente por ela não depende de seu real valor, mas apenas dos “valores ideais” que ele projetou nela.
Inevitavelmente, essa sentimentalidade, quando não corrigida, resulta em grande desilusão. Pois quando a pessoa real não consegue corresponder ao ideal, os fortes sentimentos começarão a diminuir, e já não haverá muita coisa para segurar o relacionamento. O amante estará bem desapontado com a amada. Portanto, muito embora o casal possa dar toda aparência de estar emocionalmente em sintonia, eles permanecem de fato bastante divididos um do outro. Eles podem até nem se conhecer de verdade, e podem estar até mesmo usando um ao outro pelo prazer emocional que obtém dessa idealização.
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O Autor: Edward Sri é professor assistente de Teologia do Benedictine College em Atchinson, Kansas, Estados Unidos, e autor de vários livros de Teologia e espiritualidade.
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Traduzido de: http://catholiceducation.org/articles/parenting/pa0111.html
Fonte:http://vidaecastidade.blogspot.com.br/
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