MODÉSTIA DOS OLHOS

quarta-feira, 26 de agosto de 2015

 Salve Maria Puríssima!

Quase todas as paixões que se revoltam contra nosso espírito têm sua origem na liberdade desenfreada dos olhos, pois os olhares livres são os que despertam em nós, de ordinário, as inclinações desregradas. "Fiz um contrato com meus olhos de não cogitar sequer em uma virgem", diz Jó (Jó 31, 1). Mas, por que diz ele de não pensar sequer em uma virgem? Não parece que deveria dizer: Fiz um contrato com meus olhos de não olhar sequer? Não, ele tem toda a razão de falar assim, porque o pensamento está intimamente ligado ao olhar, não se podendo separar um do outro, e, para não ter maus pensamentos, propôs-se esse santo homem nunca olhar para uma virgem.
                            
Santo Agostinho diz: "Do olhar nasce o pensamento, e do pensamento a concupiscência". Se Eva não tivesse olhado para o fruto proibido, não teria pecado; ela, porém, achou gosto em contemplá-lo, parecendo-lhe bom e belo; apanhou-o então, e fez-se culpada da desobediência.

Aqui vemos como o demônio nos tenta primeiramente a olhar, depois a desejar e, finalmente, a consentir. Por isso nos assegura São Jerônimo que o demônio só necessita de nosso começo: dá-se por satisfeito se lhe abrimos a metade da porta, pois ele saberá conquistar a outra metade. Um olhar voluntário, lançado a uma pessoa do outro sexo, acende uma faísca infernal que precipita a alma na perdição. "As primeiras setas que ferem as almas castas, diz São Bernardo (De mod. ben. viv., serm. 23), e não raro as matam, entram pelos olhos". Por causa dos olhos caiu Davi, esse homem segundo o coração de Deus. Por causa dos olhos caiu Salomão, esse instrumento do Espírito Santo. Por causa dos olhos, quantas almas não se perderam eternamente?

Vigie, pois, cada um sobre seus olhos, se não quiser chorar uma vez com Jeremias: "Meus olhos me roubaram a vida" (Jer 3, 51); as afeições criminosas que penetraram em meu coração por causa dos meus olhares, lhe deram a morte. São Gregório diz (Mor. 1, 21, c. 2): "Se não reprimires os olhos, tornar-se-ão ganchos do inferno, que a força nos arrastarão e nos obrigarão, por assim dizer, a pecar contra a nossa vontade". "Quem contempla objeto perigoso, acrescenta o Santo, começa a querer o que antes não queria". É também o que diz a Sagrada Escritura (Jdt 10, 17), quando diz que a bela Judite escravizou a alma de Holofernes, apenas este a contemplou.

Sêneca diz que a cegueira é mui útil para a conservação da inocência. Seguindo esta máxima, um filósofo pagão arrancou-se os olhos para guardar a castidade, como nos refere Tertuliano. Isso, porém, não é lícito a nós, cristãos; se queremos conservar a castidade, devemos, contudo, fazer-nos cegos por virtude, abstendo-nos de olhar o que possa despertar em nós os maus pensamentos. "Não contemples a beleza alheia; disso origina-se a concupiscência, que queima como o fogo" (Eclo 9, 8 -9). À vista seguem-se as imaginações pecaminosas, que acendem o fogo impuro.


São Francisco de Sales dizia: "Quem não quiser que o inimigo penetre na fortaleza, deve conservar as portas fechadas". Por essa razão foram os Santos tão cautelosos em seus olhares. Por temor de enxergarem inesperadamente qualquer objeto perigoso, conservavam os olhos quase sempre baixos, e se abstinham de olhar coisas inteiramente inocentes. São Bernardo, depois de um ano inteiro no noviciado, não sabia ainda se o teto de sua cela era plano ou abobadado. Na igreja do convento havia três janelas e ele não o sabia, porque conservara os olhos baixos. Evitavam os Santos, com cautela maior ainda, pôr os olhos em pessoa de outro sexo. São Hugo, bispo, nunca olhava para o rosto das mulheres com quem tinha de conversar. Santa Clara nunca olhava para a face de um homem. Aconteceu uma vez que, levantando os olhos para a Hóstia Sagrada, durante a Elevação, viu o rosto do sacerdote, com o que ficou profundamente aflita.

Julgue-se agora quão grande é a imprudência e temeridade dos que, não possuindo a virtude dum desses Santos, ousam passear suas vistas em todas as pessoas, não excetuando as de outro sexo, e querendo ainda ficar livre de tentações e do perigo de pecar. São Gregório diz (Dial. 1.2, c. 2) que as tentações que levaram São Bento a revolver-se sobre espinhos, provieram de um olhar imprudente sobre uma senhora. São Jerônimo, achando-se na gruta de Belém, onde continuamente orava e macerava seu corpo com as mais atrozes penitências, foi por longo tempo atormentado pela lembrança das damas que vira tempos antes em Roma. Como, pois, poderemos ficar preservados de tentações, quando nos expomos ao perigo, olhando e até fitando complacentemente pessoas de outro sexo?

O que nos prejudica não é tanto o olhar casual como o premeditado, o mirar. Razão porque Santo Agostinho diz (Reg. ad Serv. Dei, n. 6): "Se vossos olhos casualmente caírem sobre uma pessoa, cuja vista vos pode ser prejudicial, guardai-vos, ao menos, de fitá-la". E São Gregório diz: "Não é lícito contemplar ou extasiar-se com a vista daquilo que não é lícito desejar, pois, ainda que expulsemos os maus pensamentos que costumam seguir o olhar voluntário, deixam sempre uma mancha na alma". Tendose perguntado ao irmão Rogério, franciscano, dotado de uma pureza angélica, por que se mostrava tão reservado em seus olhares, quando tratava com mulheres, respondeu: "Se o homem foge à ocasião, Deus o protege; se se expõe a ela, Nosso Senhor o abandona e facilmente cairá no pecado".

Suposto mesmo que a liberdade que se concede aos olhos não produzisse outros males, impediria sempre o recolhimento da alma durante a oração; pois tudo o que vimos e nos impressionou, apresenta-se aos olhos de nossa alma e nos causa uma imensidade de distrações. Quem já tem recolhimento de espírito durante a oração, tome muito cuidado para não se ver privado dessa graça dando liberdade a seus olhos.

Está fora de dúvida que um cristão que vive sem recolhimento de espírito não pode praticar as virtudes cristãs da humildade, da paciência, da mortificação, como deveria. Guardemo-nos, por isso, de olhares curiosos, e só olhemos para objetos que elevam para Deus o nosso espírito. "Olhos baixos elevam o coração para o Céu", dizia São Bernardo. São Gregório Nazianzeno (Ep. ad Diocl.) escreve: "Onde habita Cristo com Seu amor, reina aí a modéstia". Com isso não quero, porém, dizer que nunca se deva levantar os olhos ou considerar coisa alguma; pelo contrário, é até bom, às vezes, olhar coisas que elevam nosso coração para Deus, como santas imagens, prados floridos, etc, já que a beleza dessa criatura nos atrai à contemplação do Criador.

Deve-se notar também que a modéstia dos olhos é necessária não só para nosso próprio bem, como para a edificação do próximo. Só Deus vê o nosso coração; os homens vêem apenas nossas obras externas e, ou se edificam, ou se escandalizam com elas. "Pelo rosto se conhece o homem", diz a Escritura (Eclo 19, 26), isto é, pelo exterior se depreende o que é o homem interiormente. Todo cristão, por isso, deve ser o que era São João Batista, conforme as palavras do Salvador (Jo 5, 35): "Uma lâmpada que arde e ilumina". Interiormente deve arder em amor divino; exteriormente, alumiar, pela modéstia, a todos os que o vêem. Também a nós se podem aplicar as palavras que São Paulo dirigiu a seus discípulos (I Cor 4, 9): "Somos o espetáculo dos anjos e dos homens". "A vossa modéstia seja conhecida de todos os homens" (Filip 4, 5).

Pessoas devotas são observadas pelos anjos e pelos homens, e, por isso, sua modéstia deve ser notória a todos, do contrário, deverão dar rigorosas contas a Deus no dia do Juízo. Observando a modéstia, edificamos sumamente os outros e os estimulamos à prática da virtude.

É celebre o que se conta de São Francisco de Assis: Uma vez deixou ele o convento junto a uma companheiro, dizendo que ia pregar; tendo dado uma volta pela cidade com os olhos baixos, entrou novamente no convento. 'Mas quando farás o sermão?', perguntou-lhe o companheiro. 'Já o fiz, respondeu-lhe o Santo, consistiu todo no resguardo dos olhos, do que demos exemplo ao povo'.

Santo Ambrósio diz que a modéstia das pessoas virtuosas é uma exortação mui poderosa ao coração dos mundanos. "Quão belo não seria se bastasse te apresentares em público para fazeres bem aos outros!" (In ps. 118, s. 10). De São Bernardino de Sena se conta que, mesmo antes de entrar para o convento, bastava só a sua presença para pôr fim às conversas livres de seus companheiros; mal o avistavam, diziam uns para os outros: Silêncio, Bernardino vem vindo; e então calavam-se ou começavam a falar de outras coisas. Santo Efrém, segundo o testemunho de São Gregório de Nissa, era tão modesto, que já a sua vista estimulava à devoção, e não se podia vê-lo sem se sentir levado a se tornar melhor. Mais admirável ainda é o que nos refere Suvio, do santo sacerdote e mártir Luciano: só por sua modéstia moveu muitos pagãos a abraçarem a santa Fé. O imperador Mazimiano, que fora disso informado, temendo sentir a sua influência e ser obrigado a converter-se, citou-o à sua presença, mas não quis vê-lo, e sujeitou-o ao interrogatório ocultando-o a suas vistas por uma cortina estendida entre os dois.

Nosso ideal mais perfeito de modéstia foi, porém, o nosso Divino Salvador mesmo, pois, como nota um célebre autor, os Evangelistas dizem, várias vezes, que o Redentor levantou os olhos em certas ocasiões, dando a entender, com isso, que tinha ordinariamente os olhos baixos. Por isso exalta o Apóstolo a modéstia de seu Divino Mestre, escrevendo a seus discípulos: "Rogo-vos pela mansidão e modéstia de Cristo" (II Cor 10, 1).

Concluo com as palavras de São Basílio a seus monges: "Se quisermos que nossa alma tenha suas vistas sempre postas no Céu, filhos queridos, conservemos nossos olhos sempre voltados para a terra". De manhã, ao despertar, devemos já pedir, com o Profeta: "Afastai meus olhos, Senhor, para que não vejam a vaidade" (Sl 118, 37).

Fonte: Tratado da Castidade - Santo Afonso Maria de Ligório

PORQUE A MODÉSTIA INCOMODA TANTO NOS DIAS ATUAIS?


Salve Maria Imaculada!

Carta de orientação do nosso fundador Hélio Maria.

Queridas filhas, eu como vosso pastor não por minha própria vontade, mas por vontade e eleição de Deus, quero vos orientar sobre as dificuldades que vocês enfrentam por querer viver a virtude da modéstia, já que tenho esta missão que me foi dada pelo Senhor: “Velai sobre o rebanho de Deus, que vos é confiado” (1Pe 5,2). 

Como já é de se notar, a modéstia no vestir tem incomodado a muitos...... E isto pode vos levar a um questionamento: Porque que a modéstia incomoda tanto nos dias atuais? A resposta é bem simples. Quando vocês eram do mundo e se vestiam como as outras mulheres do mundo, não havia queixas e nem criticas por parte delas, mas, uma vez que vocês abraçaram a fé e renunciaram a forma com que se vestiam, vocês se tornaram causa de piadas e chacotas. O primeiro fundamento que poderia vos dar é o que diz o apostolo São Pedro: "Estranham eles agora que já não vos lanceis com eles nos mesmos desregramentos de libertinagem, e por isso vos cobrem de calúnias" (I Pd 4,4). Este sem dúvida seria um dos primeiros motivos da modéstia ser tão odiada nos dias atuais. Afirma Santo Afonso Maria de Ligório: "Os que levam uma vida perversa não podem ver que os outros vivam santamente, porque a conduta destes é uma reprovação perene de seu perverso proceder". Tem razão o santo ao dizer isso, pois na Sagrada Escritura encontramos este fundamento: "Sua existência é uma censura às nossas ideias; basta sua vista para nos importunar. Sua vida, com efeito, não se parece com as outras, e os seus caminhos são muito diferentes" (Sb 2, 14-15).

Uma vez que agora vocês não se vestem mais de uma maneira impudica acaba incomodando aqueles que se vestem: "O impudico, que se gaba de suas imprudências e não sabe conversar sem tocar em coisas sujas, gostaria que todos agissem e falassem como ele. E quem assim não procede é acoimado por eles de traidor, de inculto, de pessoa trivial e insociável, sem sentimento de honra, se educação, o que não é para admirar, pois, sendo eles deste mundo, não conhecem senão a linguagem deste mundo" (Santo Afonso Maria de Ligório). É bem isto que acontece, os que se vestem de maneira impudica gostaria que todos se vestissem como eles, e como isto não acontece e por eles estarem levando uma vida ímpia, acabam abominando a vossa forma de viver: "O ímpio abomina aquele que anda pelo caminho certo" (Prov 29, 27).

Eis aí mais um dos motivos pelos quais os mundanos criticam, perseguem, atacam e cercam aqueles que querem fazer a vontade de Deus e que lutam para viverem de maneira santa. É como nos diz o Espírito Santo através do autor inspirado: "Cerquemos o justo, porque ele nos incomoda; é contrário às nossas ações; ele nos censura por violar a lei e nos acusa de contrariar a nossa educação" (Sb 2, 12). Esta censura e acusação muitas vezes não acontece por palavras, mas sim, como já citamos acima no livro da Sabedoria: "Sua existência é uma censura às nossas ideias; basta sua vista para nos importunar". Só a presença da modéstia no meio do mundo já é uma censura e acusação. É como costumo dizer, a modéstia é como um espelho, basta olhar para ela que veremos a nossa imodéstia.

Pois bem, não deixe que as criticas e os falatórios vos desanimem. Sabeis que é a Deus que vocês devem agradar e não ao mundo: "Por acaso tenho interesse em agradar aos homens? Se quisesse ainda agradar aos homens, não seria servo de Cristo" (Gl 1, 10). Olhai para a Santíssima Virgem e deixai que Ela seja o seu modelo, sejam como Ela em tudo, no andar, falar, rezar, olhar, vestir etc. E não tenhais medo de dar o seu tudo por Aquele que deu o seu tudo por nós. As criticas longe de nos atrapalhar, nos ajuda a entender que estamos no caminho certo.

"Pois todos os que quiserem viver piedosamente, em Jesus Cristo, terão de sofrer a perseguição" ( II Tm 3, 12).

Att: Hélio Maria, inútil escravo da Santíssima Virgem.


Fonte: Sagrada Escritura, Livro: Escola de perfeição cristã - Santo Afonso Maria de Ligório